Américo de Sousa, no “retórica”, fala sobre a “prioridade das impressões sobre as ideias”.

É um assunto que me interessa bastante, na verdade, desde que li o Edgar Morin no “As grandes questões do nosso tempo” onde, muito no início, fala de “a componente alucinatória da percepção”.

Morin ilustra a ideia com um episódio vivido por ele próprio ao presenciar um acidente de viação em que um “2 cavalos”, passando indevidamente um sinal vermelho, chocou contra um motociclista.

Morin confessa que juraria por tudo que o “2 cavalos” tinha passado o sinal vermelho. Acontece que pouco depois pôde comprovar com outras pessoas que presenciaram o mesmo acidente que, de facto, tal não tinha acontecido: de facto, quem havia passado no vermelho tinha sido o motociclista.

Morin explica depois qual pensa ser o motivo da sua alucinada percepção, nomeadamente, a tendência para ajudar os mais fracos perante os mais fortes, etc.

Não se pode dizer que o caso da jovem entrevistada, de que Américo de Sousa fala, seja um caso de alucinação, mas assemelha-se bastante.

O caso da jovem que gostou muito da obra a satirizar Bush mas não sabe explicar porquê, parece-me ser mais exactamente, por um lado, um caso de impossibilidade de abarcar a complexidade do mundo que nos rodeia e, por outro lado, a necessidade que todos os que se julgam particularmente inteligentes e cultos (e nestes óbviamente se incluem os frequentadores de exposições, e bienais, e etc) sentem de ter algo a dizer sobre tudo; o Manel das Vacas não precisa de ter opinião sobre o aquecimento global ou sobre a guerra no Iraque, mas “eu” preciso.

É, no fundo, uma questão de ignorância: ela não sabe que não sabe; ela não sabe que não precisa de saber; ela não sabe o que teria de saber para ... saber.

Acontece que, a limitação do Manel das Vacas é a mesma da jovem intelectual: é impossível abarcar, em poucas palavras, a complexidade de um assunto como: defina George Bush.

Sublinho aqui a questão “intelectual” vs. “não intelectual” porque um não intelectual como o Manel das Vacas não tem dificuldade nenhuma em dizer que não sabe, que não tem opinião, que nunca pensou no assunto.

Seria aliás muito interessante ouvir o que tinha a dizer o artista sobre a sua obra. Embora saibamos todos do irrefutável alibi dos artistas: isto é o que é.

Mas concordo com o Américo; é um problema de interpretação: de que forma interpretou a jovem, e todos os que (acham que) têm opinião sobre o assunto, a monumental quantidade de informação (factos e factos-opinião) que foram produzidos sobre o assunto.

Depois há uma outra questão relacionada com a comunicação social: o repórter pergunta, ponto. E na minha opinião, falta-lhes a sensibilidade para detectar perguntas imperguntáveis. E aquela pergunta de que fala o Américo de Sousa é uma delas. É que a jovem, tendo opinião fundada, estaria ali a falar umas quantas horas para não dizer dias.

Complexidade por complexidade, continuo: o que responderia o repórter se a jovem respondesse com uma pergunta: “e porque pergunta isso?”

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