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Apontamentos desconexos

Há pessoas sobre as quais se pode dizer tudo: têm uma vida recta, pode-se contá-la com facilidade. Tudo é correcto e sem dias estranhos, sem gostos inoportunos, sem indecisões.

Há contudo outras que pela inconstância, paixão, impulso, fazem das suas vidas (voluntária ou involuntáriamente) histórias impossíveis de contar com razoabilidade. Mas têm momentos de puro brilho explosivo: 2 minutos apenas que nunca mais se esquecem.






Diz-se que são livros difíceis; diz-se muito isso. Talvez como livros de poesia, digo eu.

“A ordem natural das coisas” de António Lobo Antunes (Dom Quixote, 1992) é como uma daquelas pessoas; é como uma filigrana tridimensional, um cubo de bilros; maciço mas como diria quem o visse impresso em papel transparente.

Ao pé dele, um “Todo-o-mundo” de Phillip Roth, autor de quem Lobo Antunes é confesso admirador, é uma brincadeira.


No entanto ...

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“Não existem monstros e a natureza é uma só" (1)

Enquanto preparo o pregado que colocarei no forno daqui a pouco penso, como sempre acontece enquanto preparo pregados para colocar no forno - ou na grelha, em Darwin e interrogo-me se aquele olho terá atravessado o crânio pelo interior ou pelo exterior ou se sempre terá estado ali para me fazer questionar a normalidade da simetria. Hoje fui procurar aquela citação que sabia ter lido (o forno adquire ainda a temperatura ideal, nada a temer) e ocorre-me directamente dela a ideia do homem parasita e destruidor do planeta, inimigo da natureza, propalada por uma certa eco-ideologia do fim do mundo, como se o homem de hoje, que se supõe pior do que o de outrora muito mais frugal, ligado à terra e invejável, não tivesse sido resultado directo e inelutável da natureza ela própria. Não sendo assim, isto é, acreditando-se que o homem terá conseguido adquirir características que lhe permitem contrariar os instintos naturais monstruosos de que a doce mãe natureza o terá, perversamente

Dos pés à cabeça

Os incríveis tapetes persas, originais, diz-se serem produzidos com pequenos defeitos propositados, na simetria ou na coloração. Obras de realização humana, é suposto não serem perfeitas; perfeito só Deus. Lembro-me do aparecimento dos computadores na produção artística (sou desse tempo), da música ao cinema, e de pensar que um dia, seria impossível ao olhar do ser humano distinguir um Robert de Niro CGI do homem real de carne e osso. E lembro-me também de pensar, de imaginar, que, nesse tempo futuro (hoje presente), o ser humano teria a obrigação de assinalar, de alguma maneira, a verdade. Na época não conhecia ainda aquela característica dos tapetes persas, pelo que o que me pareceu uma ideia minha genial já alguém, séculos se não milénios antes, a tinha tido e, o que é mais importante, efectivamente realizado. O que aconteceu à verdade nestes 2000 e tantos anos, entre os artesãos persas e os georges lucas da actualidade, na pequena viagem de um tapete até uma conversa com o ChatGPT?

Leituras III

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