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A insuficiência do significado

Vivemos dias muito sensíveis (tudo é uma nervura) e se aparentemente falta como colocar o ombro ou dar a mão (talvez por isso) sobra onde por a letra. Mas as palavras também se gastam e, sem medida, um dia dizer porco não bastará, como há muito não basta amo-te.

Se a insuficiência do significado pode invocar um gesto, não tenhamos por garantido que quem não sabe usar a força das palavras saiba medir a força do braço.

As palavras não são pedras e no dia da total insignificância, quem podendo não tenha sabido usá-las já não poderá lamentar a sua falta ou justificar a fraca herança.

As palavras certas, facilmente malbaratadas, são uma frágil e indefesa garantia de paz.

Comentários

Há falta de palavras faz-se o que sempre se fez: usam-se outras.
David Fernandes disse…
Eu não sei se se podem substituir (alguém da filologia - ou talvez da pragmática - há-de ter exemplos). Seja como for deve levar muito tempo e no entretanto estaremos mais embrutecidos.
Anónimo disse…



«Nós não somos do seculo d' inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do seculo d' inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.»
(José de Almada-Negreiros)

Na minha opiniao, o que o Almada aqui quis dizer, é que tudo já foi dito e feito...especialmente nas palavas.
Mas existe sempre a experanca das mesmas encontrarem um novo objectivo, e entao voltarem a ter sentido.

Reinventar...
Anónimo disse…
*esperanca

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