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Amy Winehouse, o génio da lâmpada e o trabalho


Corre mundo a actuação de Amy Winehouse no Rock in Rio.

O Daniel Oliveira, fino como um alho, à cata de cliques, lá desencantou mais um post polémico com o sugestivo título: “Genialidade sem excesso? Não temos”.

Aparentemente, génio é sinónimo de excesso e é indissociável de excentricidade.

Os fãs, solícitos, correm na defesa da sua menina e arrasam as críticas à sua actuação, legítimas a meu ver, a quem pagou bilhete para assistir a um espectáculo musical e não pôde fazê-lo.

Se por um lado lançam inquestionáveis argumentos subjectivos de gosto, por outro atiram razões mais objectivas e menos questionáveis quanto à qualidade vocal da artista bem como da sua originalidade.

Qualidade vocal semelhante ou superior, que se conheça, há às dezenas, e escondida, aos milhares certamente; basta acompanhar um desses programas de “Ídolos” para o confirmar. E comportamentos excessivos, excêntricos e originais, há aos milhões.

Longe de mim querer assassinar artisticamente Amy Winehouse; nem que quisesse o poderia fazer, mas génio não é aquilo.

Génio é constância; ter uma ideia genial é uma coisa, fazer um disco genial é outra, SER genial é outra totalmente diferente.

Corre-se um risco enorme ao tentar branquear uma actuação daquelas com o bondoso, “pois, mas é genial” ou pior "pois, mas eu gosto muito".

Corre-se o risco de, como dizia alguém, para se ser reconhecido como artista ser necessário fazer constar que se dorme com a janela aberta, faça sol, chuva ou neve.

Corre-se o risco de associar genialidade a improviso efémero, a intuição, a desmazelo.

Mas, mais grave, corre-se o risco de associar mediocridade a trabalho, constância, brio e isso é que não pode ser.

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