A Ana não me fala há muitos dias e atrás de mim um de dois rapazes fala sobre, como se fosse para, a rapariga que se cruzou connosco antes de entrarmos na escada tão rolante como um automóvel é (há coisas que não entendo).
- Ai se fosses minha irmã: tenho medo mana, deixa-me dormir na tua cama.
O outro a rir, a dizer qualquer coisa que eu não percebi e eu p'ra mim a corrigir: é mãe; ai se fosses minha mãe.
- Sabes lá que bom seria.
O outro parou de rir só para dizer outra coisa, ou a mesma, e eu p'ra mim a corrigir:
- Mãe.
Rolávamos com a escada andar abaixo, sete passos depois as portas de vidro rolariam também para quem quisesse sair dali, e penso na Ana que não me fala há muitos dias porque sei que não faria como eu, p'ra mim sempre a corrigir ou sempre p'ra mim a corrigir; a Ana chama as coisas pelos seus nomes e ninguém precisa de estar p'ra si a corrigir.
A Ana diria algo mas não está aqui, também por isso penso nela.
Um pouco mais tarde voltei a encontrar os dois rapazes dos quais um gostaria de ter irmã, enganou-se ele, ou a tendo fosse diferente do que é para que quando tivesse medo pudesse dizer: - tenho medo mamã (devia ter dito), deixa-me dormir na tua cama.
Pensei p'ra mim outra vez porque não me fala a Ana há muitos dias e à minha frente um dos dois rapazes fala para, como se fosse sobre, o outro:
- Eu sei do que gostam as mulheres, pá.
O outro quase a rir e eu p'ra mim a pensar: - estou a demorar demasiado tempo a perceber isso e estou a perder algo; ou alguém está.
Mãe
"Ora, uma noite de véspera de feriado, em que não houvera, pois, estudo; uma noite longa, de borrascoso Inverno, meu pai leu mais tempo, num livro ilustrado de gravuras e cujos cantos inexplicavelmente nós víamos roídos dos ratos. De onde a onde, a voz de meu pai, alterada, velava-se, por largo espaço; ao depois, não me recordou mais o que fora que ele nos estivera lendo; mas uma passagem, essa, não se me esvaiu nunca. Era alguém que estava relatando, não sabia eu a quem, a sua vida; e esse alguém era orgulhoso e infeliz; que maior desdita do que, com receber a vida, dar a morte a sua mãe? O desgraçado tomava soberba dessa catástrofe. Diria: «Custei a vida a minha mãe, e o meu nascimento foi a primeira das minhas desgraças.» Mas dissera: «Sinto o meu coração e conheço os homens. Não sou feito como nenhum dos que tenho visto; ouso crer não ser feito como nenhum dos que existem. Se não valho mais, pelo menos sou diverso.» E acrescentara duramente: «Se a natureza fez bem ou mal em pa...
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