As palavras


"(...) descobrimos que as palavras não começaram por ser abstractas, antes por serem concretas - e suponho que neste caso "concreto" significa quase a mesma coisa que "poético". Consideremos uma palavra como "dreary" [triste]: a palavra "dreary" significava "manchado de sangue". Do mesmo modo, a palavra "glad" [alegre] significava "polido" e a palavra "threat" [ameaça] significava "multidão ameaçadora". Essas palavras que agora são abstractas tiveram outrora um significado forte.

Poderiamos prosseguir com outros exemplos: Tomemos a palavra "thunder" [trovão] e contemplemos o deus Thunor, o homólogo saxónico do norueguês Thor. A palavra unor valia para trovão e para deus; mas se tivéssemos perguntado aos homens que vieram para Inglaterra com Hengist se a palavra servia para o ribombar no céu e para o irado deus, não me parece que eles fossem suficientemente subtis para compreenderem a diferença. Suponho que a palavra encerrava os dois significados sem se comprometer muito estreitamente com qualquer deles. (...) As palavras estavam carregadas de magia; não tinham um significado rígido e fixo. Portanto, ao falarmos de poesia podemos dizer que a poesia (...) não tenta pegar numa porção de moedas lógicas e transformá-las por magia. Pelo contrário, devolve a linguagem à sua fonte."

Jorge Luis Borges, "Este Ofício de Poeta" Editorial Teorema

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