A Ana não me fala há muitos dias e atrás de mim um de dois rapazes fala sobre, como se fosse para, a rapariga que se cruzou connosco antes de entrarmos na escada tão rolante como um automóvel é (há coisas que não entendo).
- Ai se fosses minha irmã: tenho medo mana, deixa-me dormir na tua cama.
O outro a rir, a dizer qualquer coisa que eu não percebi e eu p'ra mim a corrigir: é mãe; ai se fosses minha mãe.
- Sabes lá que bom seria.
O outro parou de rir só para dizer outra coisa, ou a mesma, e eu p'ra mim a corrigir:
- Mãe.
Rolávamos com a escada andar abaixo, sete passos depois as portas de vidro rolariam também para quem quisesse sair dali, e penso na Ana que não me fala há muitos dias porque sei que não faria como eu, p'ra mim sempre a corrigir ou sempre p'ra mim a corrigir; a Ana chama as coisas pelos seus nomes e ninguém precisa de estar p'ra si a corrigir.
A Ana diria algo mas não está aqui, também por isso penso nela.
Um pouco mais tarde voltei a encontrar os dois rapazes dos quais um gostaria de ter irmã, enganou-se ele, ou a tendo fosse diferente do que é para que quando tivesse medo pudesse dizer: - tenho medo mamã (devia ter dito), deixa-me dormir na tua cama.
Pensei p'ra mim outra vez porque não me fala a Ana há muitos dias e à minha frente um dos dois rapazes fala para, como se fosse sobre, o outro:
- Eu sei do que gostam as mulheres, pá.
O outro quase a rir e eu p'ra mim a pensar: - estou a demorar demasiado tempo a perceber isso e estou a perder algo; ou alguém está.
“Não existem monstros e a natureza é uma só" (1)
Enquanto preparo o pregado que colocarei no forno daqui a pouco penso, como sempre acontece enquanto preparo pregados para colocar no forno - ou na grelha, em Darwin e interrogo-me se aquele olho terá atravessado o crânio pelo interior ou pelo exterior ou se sempre terá estado ali para me fazer questionar a normalidade da simetria. Hoje fui procurar aquela citação que sabia ter lido (o forno adquire ainda a temperatura ideal, nada a temer) e ocorre-me directamente dela a ideia do homem parasita e destruidor do planeta, inimigo da natureza, propalada por uma certa eco-ideologia do fim do mundo, como se o homem de hoje, que se supõe pior do que o de outrora muito mais frugal, ligado à terra e invejável, não tivesse sido resultado directo e inelutável da natureza ela própria. Não sendo assim, isto é, acreditando-se que o homem terá conseguido adquirir características que lhe permitem contrariar os instintos naturais monstruosos de que a doce mãe natureza o terá, perversamente
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