“Não existem monstros e a natureza é uma só" (1)


Enquanto preparo o pregado que colocarei no forno daqui a pouco penso, como sempre acontece enquanto preparo pregados para colocar no forno - ou na grelha, em Darwin e interrogo-me se aquele olho terá atravessado o crânio pelo interior ou pelo exterior ou se sempre terá estado ali para me fazer questionar a normalidade da simetria.

Hoje fui procurar aquela citação que sabia ter lido (o forno adquire ainda a temperatura ideal, nada a temer) e ocorre-me directamente dela a ideia do homem parasita e destruidor do planeta, inimigo da natureza, propalada por uma certa eco-ideologia do fim do mundo, como se o homem de hoje, que se supõe pior do que o de outrora muito mais frugal, ligado à terra e invejável, não tivesse sido resultado directo e inelutável da natureza ela própria.

Não sendo assim, isto é, acreditando-se que o homem terá conseguido adquirir características que lhe permitem contrariar os instintos naturais monstruosos de que a doce mãe natureza o terá, perversamente, dotado, há que abrir a fresta da possibilidade de, homem e demais bicheza muito mais eco-sustentada, não terem tido exactamente o mesmo percurso.

Parece-me necessário pensar nisso, ao menos: a natureza (e mais nada ou alguém) terá dotado o homem de características, algumas paradoxais e inconciliáveis, sendo uma delas, e talvez a mais poderosa de todas, a capacidade de contrariar qualquer outra. Não vos faz vibrar uma corda quanto à omnipotência da natureza?

Bom; já tudo terá sido explicado, imagino, e as certezas serão mais do que muitas sobre tudo, mas não há como não ficar um pouco desconcertado com o olhar que um pregado nos devolve. Relevai.

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(1) Frase de Étienne Geoffroy Saint-Hilaire citada em “Mutantes” de Armand Marie Leroi (Gradiva 2009), um livro que nos interpela a repensar os conceitos de normalidade e simetria.

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